Famintos por Aceitação: O Que Sem Rosto Nos Ensina Sobre Pertencer.
Análise do filme: A Viagem de Chihiro.
Em A Viagem de Chihiro, de Hayao Miyazaki, acompanhamos a aventura de uma garota que se vê presa em um mundo mágico e desconhecido. Entre as muitas figuras marcantes do filme, Sem Rosto se destaca. Ele é um ser estranho e silencioso, de expressão imóvel, coberto por uma máscara característica e uma presença que oscila entre inofensivo e o ameaçador. Mas o que exatamente esse personagem representa?
Pesquisando na internet em busca de respostas sobre o significado desse personagem, encontrei uma entrevista com o próprio Miyazaki. Segundo ele,
"Sem Rosto personifica aqueles que carecem de um senso de identidade, buscando desesperadamente se conectar com os outros, mas sem uma compreensão sólida de quem realmente são."
Ou seja, Sem Rosto não é uma entidade fixa, mas a personificação de algo mais abstrato. Ele simboliza aqueles que estão à deriva, procurando propósito e conexão, mas que, muitas vezes, não possuem uma identidade clara ou um caminho definido.
No início do filme, Sem Rosto está sozinho, à margem da casa de banhos de Yubaba. Ele não pertence a lugar nenhum, não tem um propósito ou identidade clara. Quando Chihiro surge, ele encontra nela uma possibilidade de aproximação. Mas, sem saber como se conectar genuinamente, tenta conquistá-la oferecendo ouro e presentes. Sua lógica é simples: se tem algo valioso a oferecer, será aceito. Se agradar, será querido.
É um reflexo do que tantas pessoas vivenciam. O medo da rejeição faz com que se esforcem para serem úteis, desejáveis, interessantes. Criam versões de si mesmas que acreditam ser mais fáceis de amar. E, assim, vão se distanciando da própria essência.
A cada vez que Sem Rosto oferece riquezas e é bajulado pelos funcionários da casa de banhos, algo dentro dele se altera. Ele começa a consumir – ouro, comida, atenção – e quanto mais recebe, mais vazio se torna. Seu desejo de ser aceito se transforma em um apetite insaciável. Ele se expande, se torna ameaçador, perde qualquer traço da criatura inofensiva que era no início. O excesso, longe de preenchê-lo, apenas o descontrola.
Essa busca por aceitação e validação pode se tornar destrutiva. Quando se acredita que o valor próprio depende da aprovação dos outros, a identidade se dilui. Não há um "eu" fixo, apenas um reflexo do que os outros querem ver. Como Sem Rosto, há quem se transforme, tentando preencher o vazio interno com reconhecimento externo. Mas aplacar a solidão dessa forma é como tentar saciar a fome com algo que nunca alimenta de verdade.
No entanto, nem toda jornada precisa terminar em perdição. No desfecho da história, Sem Rosto encontra acolhimento ao lado de Zeniba, a irmã bondosa de Yubaba. Longe da ganância e das expectativas alheias, ele descobre um espaço onde não precisa oferecer nada para ser aceito. Ali, sem precisar se provar, pode simplesmente existir.
E é aí que a transformação real acontece. Quando não há mais a necessidade de agradar ou se moldar para caber nas expectativas dos outros, surge a possibilidade de um encontro verdadeiro consigo mesmo. A identidade não precisa ser construída a partir da aceitação externa, mas do entendimento interno.
A jornada de Sem Rosto é a jornada de muitos. A busca por pertencimento pode nos levar por caminhos de autossabotagem, mas também pode nos conduzir ao encontro de quem realmente somos. No fim, a aceitação genuína não vem de riquezas, favores ou sacrifícios, mas do reconhecimento de que o que somos já é o suficiente.
Você já assistiu A Viagem de Chihiro? O que achou do personagem de Sem Rosto? Se você gostou do nosso post, deixe sua opinião! Muito obrigado pela atenção, e até a próxima publicação!
Interessante como vc abordou essa reflexão com o Sem Rosto, há um tempo atrás eu vi em algum lugar tbm q mencionava esse personagem como uma crença japonesa de um tipo de espírito q se reflete naquilo/quem está próximo, e isso é bem representado no filme, tal como ele não apenas se comportando de forma egocêntrica perto dos funcionários ou de maneira carinhosa perto da Chihiro, como até incorporando partes do corpo de quem ele engolia. Pra mim, uma das partes mais marcantes é de quando ele com raiva por ela o ter "negado" corre atrás dela agressivamente, igual todos os funcionários a mal tratam, mas ao se distanciar da casa de banho e consequentemente das mas companhias, ele deixa os hábitos ruins aos poucos pra voltar a ser inocente como Chihiro. Tudo isso traz, pelo menos pra mim, uma profunda demonstração de como inconscientemente nos moldamos e nos refletimos nos lugares em q vivemos ou com quem convivemos, e como isso nos impacta socio emocionalmente.
Parabéns pelo seu texto 🤍